Volume de chuva que caiu na Serra só ocorre uma vez a cada 10 mil anos

Dado é da Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) que se reuniu, nesta semana, a pedido do Jornal O Farroupilha, para avaliar as razões de tantos danos provocados pelas chuvas

Silvestre Santos
silvestre@ofarroupilha.com.br

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Integrantes da Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos, a Afea, presidida pelo engenheiro Deivid Argenta, se reuniram nesta semana para responder um questionário encaminhado pela reportagem do Jornal O Farroupilha, comentando as razões dos deslizamentos de terra que provocaram o bloqueio de estradas, a queda de pontes e pontilhões e a destruição de lavouras, além de prédios residenciais e empreendimentos comerciais e industriais.
O conteúdo – perguntas e respostas – está reproduzido a seguir.

O FARROUPILHA – O município de Farroupilha não teve grandes problemas, danos materiais e perdas (vítimas) pessoais, nos últimos eventos climáticos que assolaram o Rio Grande do Sul. Embora no interior (mesmo sem vítimas) tenha bastante estragos. Isso se deve à topografia, composição do solo, ou algum outro fator? Qual?


Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) – Diversos fatores levam a uma ruptura de solo e deslizamentos de encostas. Praticamente todos os casos ocorridos em Farroupilha estão relacionados ao volume excessivo de chuvas que ocorreu no início deste mês de maio. Com o elevado volume de chuvas o terreno fica cada vez mais encharcado e essa saturação gera uma instabilidade na parte mais profunda da camada de solo, normalmente no encontro de mais de um tipo de solo em perfis onde mudam a sua granulometria ou a sua característica e composição. Outro fator que pode ter colaborado para estes estragos, são as ocupações que ocorrem de forma desordenada e muitas vezes sem nenhum tipo de análise técnica sobre a forma como aquele local pode ser ocupado ou não. Na maioria das vezes essa ocupação acaba ocorrendo por atividade agrícola ou para construções, que acabam suprimindo vegetações que dão sustentação e maior coesão para aquele solo. Com a remoção dessa vegetação, que é fundamental para a estabilidade do local, a água infiltra mais fácil e mais rápido no solo, causando a elevada saturação do local e, em dias com chuvas que ocorrem em grande volume, podem ocasionar esses deslizamentos de terra devido a saturação da parte mais profunda da encosta. E, claro, por estarmos numa região montanhosa, a nossa topografia é mais propicia a este tipo de dano.


O FARROUPILHA – Os chamados danos estruturais, estradas, pontes, construções, diante de outras cidades da Serra Gaúcha, são significativos ou se poderia dizer que eram esperados diante do volume de chuva que atingiu o município?


Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) – O volume de chuvas ocorrido no início deste mês é considerado um volume de chuvas deca-milenar, ou seja, possível de ocorrer a cada 10 mil anos. Sendo assim, é difícil prever a maioria dos danos que ocorreram. Ainda assim, os locais onde foram constatadas construções de forma irregular, poderiam ter sido evitados se houvesse uma análise técnica prévia de viabilidade de ocupação ou a adoção de métodos que visam dar maior estabilidade para estes locais. A fiscalização nestes pontos precisa ser mais efetiva. Ainda, não temos levantamento de todos os danos que foram causados aqui em Farroupilha, mas eles existem, e para a pessoa que perdeu seu imóvel, a comunidade que perdeu seu acesso, sem dúvidas eles são significativos. Porém, não se compara com municípios próximos, que foram devastados.

O FARROUPILHA – Como uma pessoa leiga pode saber quando a casa em que ela mora está sob ameaça? Quais os principais sinais que indicam que a família deve deixar a moradia?

Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) – Para uma pessoa leiga identificar quando a casa em que mora está sob ameaça, é importante ficar atenta a alguns sinais de alerta. Estes são alguns dos principais sinais que indicam que a família deve considerar deixar a moradia:

  1. Rachaduras nas paredes e pisos: Rachaduras que aparecem de repente ou se expandem rapidamente podem indicar um problema estrutural grave.
  2. Portas e janelas que não fecham corretamente: Se portas e janelas começam a emperrar ou não fecham corretamente, isso pode ser um sinal de que a estrutura da casa está se movendo.
  3. Inclinação de pisos e paredes: Se o piso ou as paredes da casa parecem estar inclinados, isso pode ser um sinal de que a fundação está cedendo.
  4. Barulhos estranhos: Estalos ou rangidos incomuns podem indicar que a casa está se movendo ou que há pressão excessiva em certos pontos da estrutura.
  5. Deslizamento de terra próximo: Se houver deslizamentos de terra na vizinhança ou em áreas próximas, sua casa pode estar em risco, especialmente se estiver em uma área de encosta.
  6. Mudanças na paisagem: Árvores, postes ou cercas que começam a inclinar podem indicar movimento do solo ao redor da casa.
  7. Reboco ou tijolos soltos: Reboco ou tijolos que começam a se soltar da estrutura da casa podem ser um sinal de problemas de estabilidade.
  8. Inundações frequentes: Se a casa ou o terreno ao redor começa a inundar frequentemente após chuvas, isso pode levar à erosão do solo e instabilidade da fundação.

Medidas a tomar

  • Evacuação imediata: Se notar vários desses sinais, especialmente após chuvas intensas ou eventos sísmicos, evacue a casa imediatamente.
  • Contatar autoridades: Informe as autoridades locais, como Defesa Civil, para avaliação da situação.
  • Procurar abrigo seguro: Vá para um local seguro e estável, longe de encostas e áreas propensas a deslizamentos ou inundações.
  • Consulta profissional: Se possível, consulte um engenheiro civil ou geotécnico para uma avaliação detalhada da estrutura e do terreno.
    Manter-se informado e atento a esses sinais pode ajudar a prevenir tragédias e garantir a segurança de sua família.

O FARROUPILHA – A quais razões se deve – ou se pode – atribuir o que aconteceu no Rio Grande do Sul?

Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) – O desastre no Rio Grande do Sul é causado por vários fatores: clima, relevo, rios, uso do solo, crescimento das cidades e falhas das administrações locais. A região é naturalmente instável, com grandes variações atmosféricas em pouco tempo. Chuvas fortes ou prolongadas são comuns no estado e na região. Estudos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) há tempos alertam para um aumento nos extremos climáticos, com mais chuvas intensas e secas prolongadas. Esses alertas têm sido ignorados pela sociedade e quase totalmente pelos administradores públicos. As poucas exceções são tímidas diante do que seria necessário. Os índices de chuva registrados são extremos, nunca vistos antes. A intensidade e as áreas afetadas, combinadas com as características das bacias hidrográficas e da rede de drenagem natural, potencializaram as enchentes, fazendo os rios transbordarem. Tudo isso piorou a “ameaça” e o “risco”. Estruturas colapsaram ou excederam sua função de atuar como barreiras, provavelmente porque foram projetadas para condições menos extremas. As áreas urbanas, infelizmente, crescem sobre regiões que os rios naturalmente inundariam, aumentando a “exposição” das pessoas às enchentes. O problema piora quando as moradias e as pessoas expostas são vulneráveis, precárias e pobres, sem recursos ou alternativas para escapar. Em resumo, essa é a situação que o Rio Gande do Sul ainda está enfrentando. A influência humana causou as mudanças climáticas recorrentes e caberá a nós, como sociedade, mitigar a situação

O FARROUPILHA – Há quem diga que, por ser a terceira grande adversidade climática desde setembro do ano passado, o que estamos vivendo é um “novo normal”. Isso procede? Vai ser assim de agora em diante?

Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (Afea) – A afirmação de que estamos vivendo um “novo normal” em relação às adversidades climáticas é amplamente apoiada por cientistas e especialistas em clima. Aqui estão alguns pontos que explicam porque isso pode ser verdade e o que esperar para o futuro:
Evidências e Causas

  1. Mudanças climáticas: O aumento das temperaturas globais está associado a eventos climáticos mais extremos. O aquecimento do planeta altera os padrões climáticos, resultando em chuvas mais intensas, secas prolongadas, tempestades mais fortes e outras anomalias climáticas.
  2. Frequência e intensidade: Estudos indicam que a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos têm aumentado. As três grandes adversidades climáticas desde setembro do ano passado no Rio Grande do Sul podem ser parte desse padrão crescente.
  3. IPCC relatórios: O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tem previsto um aumento na frequência de eventos climáticos extremos devido às mudanças climáticas antropogênicas. Isso inclui maior incidência de ondas de calor, precipitação extrema e outros eventos severos.
  4. O que esperar para o futuro?
  5. Adaptação necessária: As comunidades precisam se adaptar a esse “novo normal”. Isso inclui infraestrutura mais resistente, planejamento urbano cuidadoso e sistemas de alerta precoce mais eficazes.
  6. Planejamento urbano e infraestrutura: Investimentos em infraestrutura resiliente, como sistemas de drenagem aprimorados, construções elevadas e projetos de engenharia que levam em conta eventos extremos, serão essenciais.
  7. Mitigação das mudanças climáticas: Reduzir as alterações originais do meio em que vivemos é crucial para tentar estabilizar o clima a longo prazo através da conservação de ecossistemas naturais.

Diretoria da Associação Farroupilhense de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos (da esquerda para a direita: Tesoureiro: engenheiro Alex Rodrigo Barros de Araujo; vice-presidente, engenheiro Césio Verona Júnior; presidente, engenheiro Deivid Argenta; diretora geral, arquiteta e urbanista Marta Cristina Galafassi; e secretário, engenheiro Adriano Calegari. FOTO: Afea/Divulgação