Escola Sem Partido: parte I

Projeto que quer conscientizar estudantes sobre seus direitos correspondentes aos deveres dos professores, divide opiniões

Renato Dalzochio Jr / Especial

O que um professor pode ou não pode falar em sala de aula? Quais são os deveres dos educadores? E quais são os direitos dos alunos? E como ficam os pais nesta história? Um projeto que já virou lei em algumas cidades brasileiras quer acabar com o que os idealizadores chamam de doutrinação política, ideológica e partidária praticada por professores em sala de aula. Idealizado pelo advogado e procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, o projeto Escola Sem Partido divide opiniões entre pais, alunos e professores, contrários e favoráveis ao projeto. Mas o que é o Escola Sem Partido? Em entrevista para a nossa reportagem, Miguel esclareceu todas estas dúvidas

Como, quando e por que surgiu o projeto Escola sem Partido?
O movimento surgiu em 2004, como reac?a?o a duas pra?ticas ili?citas amplamente disseminadas no sistema de ensino: a doutrinac?a?o e a propaganda poli?tica, ideolo?gica e partida?ria em sala de aula e a usurpac?a?o ? pelo governo, pelas escolas e pelos professores ?do direito dos pais sobre a educac?a?o religiosa e moral dos seus filhos.

Explique o que é, na prática, o projeto Escola Sem Partido.
O Programa Escola sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio, de um cartaz com o seguinte conteúdo:

DEVERES DO PROFESSOR
I – O Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
II – O Professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
III – O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
IV – Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
V – O Professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
VI – O Professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.

Esses deveres já existem, pois decorrem da Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Isto significa que os professores já são obrigados a respeitá-los ? embora muitos não o façam ?, sob pena de ofender:

– A liberdade de consciência e de crença e a liberdade de aprender dos alunos (art. 5º, VI e VIII; e art. 206, II, da CF);

– O princípio constitucional da neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado (arts. 1º, V; 5º, caput; 14, caput; 17, caput; 19, 34, VII, 'a', e 37, caput, da CF);

– O pluralismo de ideias (art. 206, III, da CF); e

– O direito dos pais dos alunos sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 12, IV).

Portanto, o único objetivo do Programa Escola sem Partido é informar e conscientizar os estudantes sobre os direitos que correspondem àqueles deveres, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses direitos, já que dentro das salas de aula ninguém mais poderá fazer isso por eles.

A doutrinação política / ideológica é um problema grave na educação brasileira. Por que os professores se recusam a admitir isso?
A maior parte dos professores que pratica a doutrinação em sala de aula acredita que, ao se aproveitar do seu cargo e da audiência cativa dos alunos para promover suas próprias ideias, opiniões e preferências ideológicas, políticas e partidárias está apenas despertando a consciência crítica dos alunos. Eles acham isso natural, pois foi esse o exemplo recebido dos seus próprios professores; inevitável, pois aprenderam com Paulo Freire que não existe neutralidade; e meritório, pois também aprenderam que a educação deve ser transformadora.

E por que chamam o projeto Escola Sem Partido de Lei da Mordaça?
Porque supõem que desfrutam de liberdade de expressão em sala de aula. Mordaça evoca censura. Censura significa cerceamento à liberdade de expressão. É evidente que o professor, enquanto cidadão, desfruta de plena liberdade de expressão. A questão é saber se ele desfruta dessa liberdade no exercício de suas funções, dentro da sala de aula. Vejamos.
O direito à livre manifestação do pensamento ? previsto no art. 5º, IV, da Constituição Federal ? consiste na liberdade que tem o indivíduo de dizer qualquer coisa sobre qualquer assunto. É a liberdade que se exerce no Facebook, por exemplo. Bem, não é preciso ser um grande jurista para perceber que, se o professor desfrutasse dessa liberdade em sala de aula ? isto é, no exercício do seu cargo ou função ?, ele não poderia ser obrigado a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina. O professor de química poderia usar suas aulas ? isto é, o tempo todo de suas aulas ? para falar de futebol, cinema, literatura, ou simplesmente ficar em silêncio, já que a liberdade de expressão compreende o direito de não se expressar. A simples existência dessa obrigação de transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina ? sem a qual não existiria aquilo que conhecemos como ensino ? já demonstra que o professor não desfruta e não pode desfrutar de liberdade de expressão em sala de aula. Por outro lado, é preciso considerar que, em sala de aula, o professor se dirige a uma audiência cativa. A presença dos alunos em sala de aula é obrigatória por força de lei. Os alunos são obrigados a escutar o discurso do professor ? e a escutar com atenção, pois poderão ser cobrados a respeito. Por isso, reconhecer ao professor o direito à liberdade de expressão dentro da sala de aula equivale a reconhecer-lhe o direito de obrigar seus alunos a ouvi-lo falar e opinar sobre qualquer assunto. De novo, não é preciso ser um gênio para concluir que, se isso fosse possível, a liberdade de consciência e de crença dos alunos seria letra morta. Nada poderia impedir um professor católico ou evangélico de usar suas aulas para catequizar os alunos ou um professor marxista de tentar convencê-los de que a religião é o ópio do povo. Bem por isso, o que a Constituição garante ao professor é a liberdade de ensinar.

Como o senhor avalia o poder de influência ideológica e/ou partidária do professor no desenvolvimento das ideias e na formação do aluno?
Trata-se, dependendo do professor e do estudante, de um poder imenso. Para começar, o estudante está submetido, de forma direta e imediata, à autoridade do professor. Em sala de aula, é o professor quem controla o uso da palavra e o fluxo das informações. É ele quem comanda o espetáculo e tem o poder de prestigiar, constranger e humilhar os alunos perante os colegas. É ele quem avalia, aprova e reprova. O estudante depende do professor; inexperiente, imaturo e vulnerável, intelectual e emocionalmente, faz o que pode para cair nas suas graças.
O aluno se vincula emocionalmente ao professor; e quanto mais carismático o professor, maior a força desse vínculo. O aluno confia no professor, acredita nele, coloca-o num pedestal, transforma-o num ídolo, e recebe como um tesouro cada migalha de atenção dispensada pelo mestre.
É claro que numa situação como essa, a palavra do professor pode ter um peso gigantesco para o aluno. E o que faz o professor militante? Abusa dessa situação para fazer a cabeça dos alunos. E ele faz isso de boa consciência, porque pensa estar colaborando para a produzir uma realidade mais justa. Na verdade, o que ele está produzindo é apenas mais um ignorante cheio de certezas, pronto para entregar os destinos da nação a políticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele.
O prejuízo material e moral que essa prática acarreta para o estudante – lembre-se de que estamos falando de jovens imaturos, inexperientes e submetidos à autoridade do professor – não pode ser subestimado. Basta pensar, por um lado, no tempo de aula desperdiçado com o noticiário político, o blá-blá-blá ideológico e a propaganda partidária, principalmente em períodos eleitorais – o que compromete o próprio objeto do serviço que deveria ser prestado pelas escolas –; e, por outro, na influência de longo-prazo exercida pelos professores militantes sobre a visão de mundo desses jovens.
Bem sabem os doutrinadores que a reavaliação das ideias e convicções adquiridas durante a adolescência exige um investimento intelectual e emocional pesado demais para a maior parte das pessoas, de modo que a adesão a determinado credo ideológico, quando prestada durante essa fase crítica da vida, tende a prolongar-se por vários anos, quando não para sempre.
Sem dúvida nenhuma, boa parte do sofrimento moral experimentado na passagem da adolescência para a vida adulta poderia ser poupado se não tivéssemos de nos desembaraçar dos preconceitos ideológicos que nos são transmitidos por nossos mestres ativistas. Ao fim e ao cabo, lamentamos: quanto tempo perdido! Quanta energia desperdiçada!

Os pais estão conscientes da influência que o professor pode exercer na formação do indivíduo em desenvolvimento?
Creio que os pais subestimam gravemente a influência que os professores podem ter sobre seus filhos. Posso assegurar que uma boa parte dos conflitos entre pais e filhos é devida a essa influência.

Na sua opinião, é possível que professores sejam imparciais?
De jeito nenhum! Só Deus é imparcial. Afinal, só ele conhece as coisas como elas realmente são. Mas isto não significa que os professores estejam desobrigados de fazer um esforço sincero e metódico para ser imparciais. É isso que o nosso projeto exige que eles façam no item IV do cartaz. Assim como um juiz não pode julgar uma causa sem ouvir e ponderar as razões do autor e do réu, um professor não pode induzir os alunos a fazer um juízo sobre determinada questão, sem permitir que eles conheçam os argumentos e a versão de cada um dos lados envolvidos na controvérsia.

A doutrinação fica restrita apenas as escolas ou se estendem as universidades (ensino superior)?
As práticas e conteúdos doutrinadores se disseminam em todos os níveis de ensino. No caso da universidade, a doutrinação já começa no processo seletivo, pois há inúmeros casos de questões de vestibular que forçam os alunos a assimilar e reproduzir teorias e ideologias afinadas com a esquerda intelectual e política para terem chances de serem aprovados.
O viés ideológico das provas se revela de diversas maneiras: na escolha de autores, textos e imagens; nas pressuposições; nas afirmações que são tidas como verdadeiras ou falsas; nas omissões; nos julgamentos; no recorte seletivo dos fatos; na apresentação de protagonistas como opressores e oprimidos, exploradores e explorados, algozes e vítimas, etc. Temas controvertidos são mostrados como se não o fossem.
Com isso, além de transformar esse exame num filtro ideológico de acesso ao ensino superior, o examinador militante sinaliza para o ensino médio qual o enfoque a ser adotado pelas escolas que almejarem bons índices de aprovação no vestibular.
Depois de ingressarem nos cursos, os alunos são submetidos à influência de professores que fazem comentários político-ideológicos em sala de aula mesmo quando o assunto pouco ou nada tem a ver com política (um problema que, vale dizer, não ocorre só no Brasil). Mas é nos cursos universitários das áreas de educação, ciências humanas e sociais que as práticas e conteúdos doutrinadores se manifestam de forma mais grave. No caso dos cursos de pedagogia e de licenciatura, as ideias de Paulo Freire são transmitidas aos alunos como se fossem verdades incontestáveis, muito embora esse autor veja o trabalho de ensinar como uma simples modalidade de proselitismo ideológico ao qual ele dá o nome de conscientização dos alunos. Já nas áreas de humanidades e de ciências sociais, em que os assuntos abordados nas matérias têm frequentemente relação direta com a política, o que se nota principalmente é o unilateralismo dos conteúdos, o qual se expressa na ampla predominância de autores críticos do capitalismo nas bibliografias utilizadas.

Existem relatos de alunos que tenham sofrido intimidações ou constrangimento por discordar das opiniões de professores? E os pais também tomam conhecimento deste tipo de humilhação?
Existem muitos relatos. Mas vou citar apenas um que foi feito recentemente pela mãe de uma aluna:
Hoje, minha filha (12 anos) teve que presenciar um petista (professor de geografia) em sala de aula influenciando os alunos a defenderem toda essa podridão que está aí. Quando minha filha foi contra e abordou determinados assuntos, por exemplo as pedaladas fiscais, que já tinha sido debatido em casa, o professor não foi claro, nem explicativo e muito menos imparcial. Ainda questionou minha filha perguntando pra ela o que seriam as pedaladas. Vendo ele que minha filha soube responder, continuou o questionamento, fazendo perguntas a fim de colocá-la contra a parede, e conseguiu, claro. Ela tem 12 anos e não tem vivência ou argumentos para debater com um adulto, professor e militante. Uma covardia.

*Nas próximas duas edições estaremos publicando opiniões de pessoas contrárias e favoráveis ao projeto.