Celular em sala de aula, a um passo de ser proibido no Brasil

Projeto de Lei sobre a proibição está em discussão em nível nacional, mas por aqui é lei estadual

Cláudia Iembo
claudia@ofarroupilha.com.br

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Manter o foco é um desafio para a grande maioria das pessoas, em diferentes faixas etárias e funções. O excesso de informações disponíveis de forma ágil na palma da mão contribui para a distração, potencializando o problema, como comprovam os diversos estudos. Com a tecnologia integrada à vida oferecendo incontestáveis vantagens, a busca fundamental é pela moderação no tempo de uso dos dispositivos eletrônicos com o objetivo de uma vida saudável, com qualidade. Mas a novidade neste panorama é que o ministro da Educação, Camilo Santana, está para apresentar uma proposta ao Congresso Nacional, previsão ainda neste mês de outubro, sobre um projeto de lei que proíbe o uso de telefones celulares dentro das salas de aula de escolas públicas e privadas de todo o país.

A proibição está alinhada com o resultado de pesquisas internacionais sobre o assunto, que apontam as distrações dos alunos como interferência no aprendizado. Aqui, no Rio Grande do Sul, pela Lei 12.884/2008, o uso dos celulares já é proibido dentro da sala de aula, a exemplo de países desenvolvidos como Estados Unidos, França, Holanda, entre outros. Diante da iminência da proibição em âmbito nacional, conversamos com profissionais ligados à educação em nossa cidade – de fora dela também – e alunos, para sentirmos o tema por aqui.

“A proibição do uso de celulares nas escolas envolve tanto o desenvolvimento educacional quanto o comportamento social dos alunos. No município seguimos a lei estadual, pois o uso inadequado pode causar distrações, comprometendo o aprendizado. Além disso, pode facilitar o bullying virtual e prejudicar a interação social. A restrição do uso de celulares promove um ambiente mais focado, seguro e favorável à socialização e ao desenvolvimento acadêmico”, afirma a secretária de Educação de Farroupilha, Luciana Zanfeliz.

Segundo ela, as escolas municipais de Farroupilha oferecem a possibilidade de desenvolvimento tecnológico aos alunos. “Temos diversas ferramentas voltadas para a integração das tecnologias no processo educacional, proporcionando aos alunos um aprendizado mais dinâmico e eficiente. Nossas escolas são equipadas com recursos modernos, o que permite aos estudantes desenvolverem suas habilidades tecnológicas em um ambiente propício e inovador”, complementa.

João Grendene

Na Escola de Ensino Municipal João Grendene, os alunos do 6º ao 9º ano podem utilizar celular em sala de aula apenas para atividades pedagógicas, orientados e supervisionados pelos professores. Quando não solicitado pelos professores, a orientação dada aos alunos é que deixem seus aparelhos desligados e guardados dentro das mochilas – “norma” discutida e aprovada em assembleia de pais, no início do ano letivo. Por lá, de maneira geral, a norma tem sido cumprida, segundo a diretora Vanderleia Franceschet Rapkiewicz.

“Os celulares, apesar de serem ferramentas poderosas de comunicação e acesso à informação, frequentemente servem como uma grande distração. Notificações constantes, redes sociais e jogos competem pela atenção dos alunos, prejudicando a concentração e comprometendo o desempenho acadêmico. Com o uso reduzido desses dispositivos, os estudantes podem se concentrar plenamente no conteúdo, interagir de forma mais ativa com os professores e colegas e desenvolver habilidades de atenção prolongada, fundamentais para o sucesso acadêmico e pessoal”, explica Vanderleia.

Atestando a afirmação da Secretária de Educação, a escola João Grendene possui laboratório de informática com equipamentos para uso dos alunos, assim como notebooks e aparelhos de smart tv, com acesso à internet, em todas as salas de aula. Para a professora Franciele Costa, que leciona na escola, o celular pode auxiliar na aprendizagem, se utilizado de forma consciente para não atrapalhar. “Percebo que a maioria dos nossos alunos já entenderam este princípio. Quando necessário o celular se faz presente para contribuir com as atividades”, diz.

EMEF João Grendene: aparelhos desligados e guardados dentro das mochilas. Foto: Divulgação

Colégio Estadual Farroupilha

O diretor do Colégio Estadual Farroupilha, André Fardin, conta que na instituição foram criadas, dentro das salas de aula, “caixinhas” para que os celulares sejam colocados antes do início das aulas, elas são trancadas e nos intervalos, abertas para que os alunos peguem seus aparelhos. “Caso haja necessidade do uso do celular em sala de aula, o professor autoriza. Desde agosto a escola determinou esta regra e os professores relatam que existe um grande avanço percebido, como maior concentração dos alunos e mais atenção às atividades propostas. O resultado está sendo bem positivo”, diz ele, que acredita que o uso do aparelho deve ser pontual, já que “é um dos grandes problemas de cognição dos alunos”.

A caixinha que guarda os aparelhos durante as aulas. Foto: Cláudia Iembo

A professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação da instituição, Bruna Souza, conta que a implantação das caixinhas não foi recebida com entusiasmo pela maior parte dos estudantes, mas hoje já é possível notar as mudanças no cotidiano. “No início, as caixinhas foram alvo reclamações e resistência, mas notamos que muitos alunos começaram a participar mais das aulas, bem como passaram a conversar mais entre si e realizar aquilo que é proposto com mais atenção. Sem o uso do celular há menos estímulos e possibilidades de distração, então eles acabam ficando mais participativos”, afirma. Atestando as palavras da professora, os alunos de uma turma do primeiro ano confirmam que estão falando mais entre si e “quem já prestava atenção às aulas, continua prestando, o que mudou é que agora interagimos mais um com o outro”, opinam, de acordo, os alunos.

Alunos do primeiro ano do Colégio Estadual estão interagindo mais entre eles. Foto: Cláudia Iembo

CNEC

No Colégio CNEC Farroupilha Ângelo Antonello os alunos não podem usar celular em sala de aula, em nenhuma série, regra que existe há muito tempo, mas intensificada nos últimos três anos. “A proibição do uso do celular em sala de aula é coerente, pois suas desvantagens superam as vantagens. A distração causada pelo celular é o principal motivo para essa proibição. Redes sociais, jogos e mensagens se tornam uma tentação, desviando a atenção dos alunos em um momento em que a colaboração e a concentração são essenciais para a aprendizagem. Além disso, o uso do celular pode criar barreiras entre os estudantes, dificultando o bom andamento das atividades em sala e também pode ser visto como um desrespeito ao professor”, afirma a diretora Juliane Rombaldi.

A coordenadora pedagógica do CNEC, Isabel Kurmann, está sempre atenta para garantir que os alunos mantenham o foco no que realmente importa: a atenção às aulas e à busca pelo conhecimento. “A tecnologia deve ser uma aliada, mas seu uso inadequado pode desviar a atenção e comprometer o aprendizado. Por isso, são promovidas orientações e estratégias para que todos possamos aproveitar ao máximo cada momento de aprendizado”, diz ela. Por lá, todos os dias os alunos colocam seus celulares em um escaninho e trancam. Cada um tem seu espaço e sua chave e nos intervalos podem usar os aparelhos, como explica a diretora.

Alguns alunos manifestam sus opiniões como Heloísa Binda Somacal, para quem “o uso do celular acaba sendo um meio de distração, mas se for usado de maneira responsável se torna uma ferramenta muito útil”. Concordam com ela os colegas Alice Pegoraro Guilden, dizendo que “o celular é uma importante ferramenta de pesquisa que auxilia no dia a dia, mas se não for usado com responsabilidade e disciplina atrapalha a compreensão e atenção dos jovens durante a aula”, e Rodolfo Pietta, que acredita que “alunos e professores devem saber usar o celular de maneira correta”.

Alunos do CNEC: cada um tem seu espaço e sua chave e nos intervalos podem usar os aparelhos. Foto: Divulgação

Sofia Sebben

Pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sofia Sebben, psicóloga de 28 anos, é a primeira estudante brasileira a receber o Prêmio Anual de Financiamento de Pesquisa de Tese para seu projeto de pesquisa: “Função reflexiva dos pais, desenvolvimento socioemocional da criança e uso de telas na primeira infância”. A premiação é promovida pela Sociedade de Pesquisa sobre Desenvolvimento Infantil, dos Estados Unidos. Para a doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS, “precisamos maximizar as oportunidades que as telas oferecem, reduzindo os riscos do uso excessivo”.

“É necessário expandir o debate para enxergarmos o que leva os jovens e crianças a utilizarem o celular em um ambiente de aprendizado porque a saúde mental deles não é colocada em pauta, mas é exatamente o que vai guiar o uso das telas por eles. Outras esferas precisam ser analisadas para entendermos quais os mecanismos por trás do uso do celular porque ele deixou de ser simplesmente um objeto, é uma extensão da vida dos adolescentes e crianças. As telas vieram para ficar e é nosso papel, como sociedade, ensinar nossos filhos a fazer um bom uso das tecnologias e isso começa com nós, adultos”, diz a psicóloga que atualmente mora em Farroupilha.

Sofia acredita que os pais precisam conversar muito com seus filhos sobre o assunto, ressaltando a importância da escola na vida deles, mas o papel da moderação também é da sociedade. “Não adianta apenas culpabilizar os pais porque não ensinam um bom uso do celular para os filhos, algo que envolve também professores, formadores de políticas públicas, psicólogos, a sociedade como um todo”. A psicóloga alerta para os sinais que demonstram o uso excessivo das telas pelas crianças e adolescentes.

Sofia: “maximizar as oportunidades, reduzindo os riscos”. Foto: Arquivo Pessoal

Algumas dicas

  • Quando o uso de telas se torna um problema em família
  • Quando a criança tende a se acalmar quando está usando a tela
  • Passa muito tempo na tela e o tempo aumenta cada vez mais
  • A criança não tem interesse em brincar com os amigos, só quer ficar na tela
  • Problemas de sono
  • Só consegue se alimentar se tiver uma tela com ela

“Quando um sintoma é identificado, é preciso procurar um psicólogo para ajudar a criança a diminuir o uso das telas e ajudar os pais a mediarem esse uso em casa. O assunto é complexo e é preciso um olhar mais contextual sobre ele”, complementa Sofia, que está empenhada em fornecer dados multidimensionais para que a ciência brasileira avance sobre este tema. Empenho reconhecido pelo prêmio que acaba de conquistar.

“Estou honrada porque este prêmio é fruto de muita dedicação, estudando e explorando questões porque quero ajudar as famílias a fazer um bom uso das telas, mas para isso precisamos ter evidências científicas que possam subsidiar as nossas práticas profissionais e também as políticas públicas que são desenvolvidas”, ressalta Sofia, que também faz parte de uma geração que nasceu em um contexto digital.

Especialista em segurança cibernética alerta pais

“Pouco tempo atrás, professor na sala de aula era autoridade e hoje vemos este valor muito comprometido, especialmente em escolas particulares. Sou a favor da proibição total do uso do celular em sala de aula e fora dela. Já que não temos como evitar, a palavra é moderação, mas o monitoramento do que o filho faz no mundo virtual é de responsabilidade dos pais, impreterivelmente”, diz o especialista em segurança cibernética da Brigada Militar de Porto Alegre, tenente Rodrigo Neto. No início de outubro, o tenente esteve em Farroupilha para palestrar à uma comunidade escolar sobre “Cuidando da segurança digital de nossos filhos: identificando riscos; fomentando o diálogo”.

“A palestra do tenente Rodrigo foi de grande valia, pois o assunto precisa fazer parte do dia a dia das famílias, já que os perigos que estão por trás do uso desenfreado da tecnologia são inúmeros e podem ser evitados com conhecimento e olhar atento dos pais”, acrescenta Veridiana Brustolin, diretora da EMEF Santa Cruz, onde é proibido o uso do celular, exceto pedagogicamente no laboratório de informática”. A diretora diz que a escola prima pela socialização. “Entendemos que os estudantes já possuem bastante acesso a esse recurso fora do ambiente escolar e primamos pela socialização e integração em momentos como intervalos e recreios. Temos os contatos das famílias, portanto o estudante pode ter acesso a sua família, por meio da escola, no momento em que desejar, dispensando o uso do celular para esse fim”.

Tenente Neto afirma que o cuidado precisa ser constante. “A partir do momento que vou concordando com os termos de um site, passo a dar o controle a eles. Só existem dois segmentos que tratam clientes por usuários: o tráfico de drogas e a tecnologia. Os pais têm que ter o controle sobre o uso de telas pelos filhos; eduque a criança para que não tenha que punir o adulto”. Ele ressalta que países com maior qualidade de vida têm menos tempo de tela. “O Brasil é o segundo país que mais consome redes sociais no mundo, perdendo apenas para a África do Sul”. Tenente Neto estará, nos dias 13 e 14 de novembro, ministrando um curso na CICS de Farroupilha.

Tenente Neto defende que o cuidado dos pais precisa ser constante. Foto: Divulgação

Importante

  • O especialista elenca algumas dicas aos pais:
  • Estabelecer regras de tempo de uso de telas, segundo as determinações da Sociedade Brasileira de Pediatria (veja box).
  • Seguir as regras sobre idades em redes sociais.
  • Atentar para as configurações de privacidade em redes sociais. Não conhece, não deixa te seguir. Privacidade sempre fechada e só dê permissão para quem você realmente conhece.
  • Não deixar pessoa jurídica te seguir porque a rede é operada por diversas pessoas que não sabemos quem são.
  • Utilizar fator duplo de autenticação em redes sociais e conta Google.

“O custo do cuidado é menor que o custo do reparo e tem coisas que realmente não têm reparo, como perder um filho, por exemplo”, argumenta o especialista. Ao encontro das informações transmitidas pelo tenente Neto, dias atrás, de acordo com a agência de notícias Reuters, os estados americanos acusaram o Tik Tok de usar um software intencionalmente viciante para as crianças. Um grupo bipartidário de 14 procuradores-gerais dos Estados Unidos entrou com ações judiciais contra o Tik Tok, alegando que a empresa prejudicou a saúde mental dos jovens com seu algoritmo viciante e design de rolagem infinita.

O que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria

A SBP orienta os pais sobre a questão, indicando o tempo de tela para crianças e adolescentes:

  • Evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas.
  • Crianças com idades entre dois e cinco anos: limitar o tempo de telas ao máximo de uma hora/dia, sempre com supervisão.
  • Crianças com idades entre seis e 10 anos: limitar o tempo de telas ao máximo de duas horas/dia, sempre com supervisão.
  • Adolescentes com idades entre 11 e 18 anos, limitar o tempo de telas e jogos de videogames a duas ou três horas/dia, e nunca deixar “virar a noite” jogando.
  • Não permitir que crianças e adolescentes fiquem isolados nos quartos com televisão, computador, tablet, celular, smartphones ou com uso de webcam; estimular o uso nos locais comuns da casa.
  • Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e desconectar uma hora antes de dormir.
Crianças entre seis e 10 anos: duas horas por dia de tela, segundo orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria. Foto: Pixbay