Concerto para a cobra-cega

No fim de semana, visitei a feira. Comprei sementes de aspargo, de salsinha, de cenoura e mudas de beterraba, de

No fim de semana, visitei a feira. Comprei sementes de aspargo, de salsinha, de cenoura e mudas de beterraba, de repolho, de brócolis, de couve-flor e de alface.

Fui para a horta. Afofei a terra a capinar. Retirei as velhas rúculas e os idosos feijões-de-vagem. As minhocas deram saltos, pulos e pinotes. Uma cobra-cega enrolou na enxada. Coloquei ela no canteiro das cebolas. Joguei uma terra fresca no seu lombo. Para alguns, viver na escuridão é um assombro de bom. Fiquei na dúvida se era réptil, minhoca ou anfíbio.

– Fica aí quietinha e não estraga minhas verduras!

Ajustei os canteiros em formatos múltiplos para enternecer. A diversidade faz bem aos olhos; ao menos, aos meus.

Abri a terra com as mãos e larguei três feijões em cada buraco. Ao todo, dezesseis buracos. Ao lado, lancei minúsculas sementes que em nada lembram cenouras e salsinhas. Mais adiante, coloquei sementes um pouco maiores; elas não parecem aspargos. Recolhi alguns baldes de terra e fiz uma fina lâmina de terra para encobrir as sementes e germinar a vida.

As mudas de repolho, couve, brócolis, alface e beterraba ganharam seus canteiros. Algumas mudas sobraram. Transplantei embaixo do limoeiro, ao lado da ‘ora pro nobis’. Servirão de reserva. Se alguma titular  apresentar problemas, será substituída pela reserva.

Joguei água em abundância. Já era noite quando o aroma da arruda, da erva-luísa, do tomilho e de outras mentas me disseram que o fim de semana seria calmo.

A lua infantil apareceu entre as nuvens. Fui para casa. Torci para a chuva que faz os canteiros mais perfumados.

– Pô, Mario! Essa crônica é uma horta.

– Assim seja!

Mais uns dias e visitarei a cobra-cega e as minhocas. Arrancarei os inços e outras ervas. Ao iniciar a crônica, eu pretendia escrever sobre parasitas e outros impropérios. Melhor conversar com as sementes e suas mudas. É um idioma diferenciado. Faz bem.

– Começou a chover. Uh! É um concerto para as sementes e suas mudas.

… e deixo a crônica a germinar.