A menina que me deu uma flor

Fui até a Casa Lar. Ganhei de presente da menina de 03 anos uma flor amarela, dessas que nascem e

Fui até a Casa Lar. Ganhei de presente da menina de 03 anos uma flor amarela, dessas que nascem e vivem no meio da grama, sem que ninguém se preocupe com elas. A menina fez um buquê de quatro flores amarelas. Ela estava de saída da Casa. Disse que fará quatro anos em breve. Vai morar aos cuidados de sua família com seu irmão e outros mais.
O buquê era para o irmão, mas eu pedi uma flor para mim. Ganhei a flor. O irmão dela ficou com uma flor a menos.
Ela falou que, ao se despedir dos colegas, um menino começou a chorar:
– Vou sentir saudades!
Ela se despediu rápido para não chorar também.
Eu disse:
– Você pode voltar para visitar. (Tomara que, ao voltar, já não encontre o menino! Lugar de criança e de adolescente é dentro de sua família.)
Além da flor, ganhei um abraço, desses que começam a dormir pelos lados, e a lembrança de dois grandes olhos acolhidos de gramíneas que não cabem dentro das crônicas.
Levei a flor ao fórum.
– Ganhei uma flor. – Disse ao chegar na Segunda Vara Cível que, de restolho, acumula a infância e a juventude, com minúscula, mas que devia ser maiúscula. A prioridade absoluta nem sempre é tão prioritária aos olhos do Judiciário e de outros mais.
Levei, ao término do expediente, a flor para casa. Coloquei ela no meio do Manoel de Barros, foi na folha 150:
“Rios e mariposas
Emprenhados de sol
Eis um dia de pássaro ganho”.
A flor secará os poemas. Ganhei um dia de pássaro emprenhado de rios e mariposas ensolarados. O Manoel, lá de dentro, ajeitará suas letras num céu sem prateleiras. Não conheci o poeta e não é necessário. Ele deixou sua poesia que atrai borboletas, sapos e formigas. Se eu pudesse, mandaria, pelo correio, a flor para o Manoel de Barros. Ele, de maneira séria e verdadeira, não diria nada. Colocaria ela no seu vaso de inutilidades à toa e em vão de colecionador de cacos, vidros, fitas e outros utensílios de valia nenhuma.
Ele brindaria um dos versos do livro de pré-coisas:
– Flores engordadas nos detritos até falam!