A Casa Cor de Rosa

Percorro a Rua Independência. Havia o número 313. Estaciono o carro. Observo. Caminho na calçada da poesia da Dolores Maggioni,

Percorro a Rua Independência. Havia o número 313. Estaciono o carro. Observo. Caminho na calçada da poesia da Dolores Maggioni, que convida para entrar, bem onde um dia havia a Casa Cor de Rosa …

Ela se calou silenciosa. As portas fecharam a lua que, então, cantava cantigas de amor. Fez-se um cenário silencioso, sem riso ou alvoroço. A noite escura e quieta, ali, pousou sua dor. O sonho antigo dorme. Um livro sossegado, na sossegada estante, tombou nas ruínas. Prostrou-se de joelhos no ritual tristonho da saudade enorme.

Os braços das nogueiras quebraram despencados. O musgo cresceu. O trilho das formigas já não rebenta as cores nas palmas cultivadas. Perderam-se os aromas da sálvia nas mãos amigas. O gato foi embora moído de tristeza. Até a raposa perdeu o seu lugar noturno de ir brincar no sótão e incomodar o sono da velha coruja e seu piar soturno.

Bem onde um dia havia a Casa Cor de Rosa …

Os olhos castanhos das nozes espiavam, entre a relva fresca, molhada de orvalho, o olhar afetuoso daqueles que as colhiam.

A velha chaminé de zinco enferrujou. Cadê a fumaça cinza brincando em espiral? O fogão à lenha segue esperando o café todos os dias.
Bem onde um dia havia a Casa Cor de Rosa …

Ficou o espanto da saudade de um tempo que parou. As cortinas não dançam mais com o vento. O tempo emoldurou uma falta gigante. O Chivas secou na velha prateleira. Tudo tombou … até a prateleira.

A brasa acesa de todos os domingos apagou.

O trilho das formigas passeia quieto e mudo.

Bem onde um dia havia a Casa Cor de Rosa …

O pé de funcho murchou terno e perfumado. O velho machado descansou sobre o cepo, abandonado no entulho do porão. Os cravos vermelhos de carinho não explodem mais. O mapa dos canteiros está desfeito e destruído. Os cidrós cheirosos e as verdes manjeronas cessaram seus perfumes num chão tão esquecido.

Bem onde um dia havia a Casa Cor de Rosa …

Há uma tristeza roxa como o capuz de um monge. A saudade cresce doída e se agiganta. Os olhos se perdem, ao longe … muito longe.