Desapego

Domingo um casal de amigos esteve lá em casa para um churrasco e assistir ao grenal na tevê. Estranhei a

Domingo um casal de amigos esteve lá em casa para um churrasco e assistir ao grenal na tevê. Estranhei a demora da chegada porque eles tinham avisado no momento em que saíam de casa. Quando finalmente tocaram o porteiro eletrônico, o visitante nem disse bom dia.
– Puxa vida! Como a gente junta tralha, bagulhos sem qualquer serventia… – disparou à queima roupa.
Ele e a namorada passaram o final de semana fazendo arrumação no apartamento, depois de muitos adiamentos. Eles ficaram estupefatos com o volume de objetos sem qualquer utilidade acumulandos.
O desapego, termo que está tão em moda – junto com gratidão – é um exercício permanente, não apenas no plano material. A cada mudança de estação tiro do armário todas as roupas, calçados e objetos para fazer um balanço. O que não foi usado nos dois últimos anos vai para a doação, repito mentalmente.
Admito que esta prática é bastante facilitada pelo fato de dispor pouco espaço, especialmente no quarto que divido com minha mulher. Sob a cama box existem quatro gavetões, ocupados por calçados femininos de todo tipo.
O mesmo acontece no guarda-roupas. O móvel destinado a este humilde escriba já conta com peças femininas de vestuário. Como não me ligo nisso não percebo a gradativa ocupação de espaço. Por isso, desapegar de camisas, jaquetas, tênis, blusões e outros adereços é uma tarefa fácil para mim.
Desde o casamento – há 31 anos – este é o terceiro endereço em que moramos. Nos dois apartamentos anteriores permanecemos por 13 anos. A cada mudança fiquei estarrecido com a grande quantidade de objetos inúteis que ocupa generoso espaço dentro de casa. Algumas coisas inclusive com etiqueta. Foram compradas pelo impulso consumista, estimulado às últimas consequências pela publicidade cada vez mais criativa.
Desapegar, além de abrir espaço e arejar os cômodos, estimula o exercício da bondade através das doações. Em todos os municípios existem entidades beneficentes que realizam relevantes serviços sociais. Basta um pouco de boa vontade para consultar a relação das instituições deste segmento, ligar. A maioria vem buscar os objetos em nossa casa, sem custo algum.
Tenho inúmeros exemplos próximos da dificuldade em desapegar. Lembro de um amigo que guardava na garagem da casa de praia mais de 50 latas de Nescau e vidro de compota lotados com todo tipo de prego, porca, parafuso e outras quinquilharias.  – Quem guarde tem e a pedir não vem! – repetia como álibi.
Em uma época de tantas dificuldades, basta um pequeno esforço para ajudar a quem precisa de tão pouco. Para muitos é uma tarefa quase impossível. Isso faz lembrar de um amigo que acumula mais de mil pilhas, todas usadas, no sótão da caa. 
– Quando os avanços tecnológicos descobrirem a utilidade destas pilhas… serei bilionário! – justifica.