Eles badalam os sinos de Nova Vicenza
Os sinos da Igreja São Vicente Mártir ainda são acionados manualmente, pelas cordas que uma equipe que se reveza puxa. As badaladas anunciam a missa e espalham notas de tradição e amizade
De geração para geração. Esta é a característica que marca uma tradição e de tradição se mantém alguns atos que resistem à automatização. Os sinos da Igreja São Vicente Mártir, no bairro Nova Vicenza, ainda badalam pelas cordas puxadas por uma equipe voluntária composta por 10 casais, que se revezam nos cuidados da igreja e na missão sonora.
Um trio sempre é escalado para anunciar a missa que acontece às 8h do domingo, e eventualmente em alguns dias da semana. Conversamos com três senhores que fazem parte da equipe administrativa e descobrimos que muitos fatores os unem, além dos sinos que ficam localizados no alto da torre ao lado da igreja. O mais forte deles: a amizade construída pela dedicação alimentada.
Os senhores Nelson Didoné, Angelo Bartelle e Hélio Marchetto normalmente se encontram também fora da igreja, reunidos em um jantar ou em um carteado, como “escova” ou “pontinho”. “O capeletti e o vinho não podem faltar”, comenta entre risadas o senhor Hélio, o mais “experiente” do trio. Na verdade, eles não formam o trio, mas compõem o grupo no qual todos se dão bem. As esposas têm seus papéis definidos, como arrumar a igreja, o altar, marcar as intenções das missas – “ainda mantemos a tradição de marcar as intenções”, acrescenta Nelson.
“É um compromisso gratificante, sagrado”, define Angelo. Eles concordam que o trabalho é feito para Deus e diante disso, o “sacrifício” de estar às 7h da manhã na igreja, em um domingo, acaba se tornando um prazer.
“Somos católicos desde os tempos dos nossos avós que chegaram da Itália e já faziam isso, de cuidar da igreja da comunidade”, conta Hélio.
“Todos aqui sabem que somos o grupo que cuida da igreja. Eu, por exemplo, moro há anos no bairro, mas nunca conheci tanta gente como agora”, diz Nelson.
Os três senhores já estão aposentados e encontraram no grupo a possibilidade de continuar sendo útil à comunidade. “Estes dias mesmo estávamos aparando a grama do entrono da igreja. Sempre tem um trabalho ou outro. No salão também tem sempre algo para fazer e assim os dias são preenchidos com o trabalho”, entrega Nelson.
“Além disso, nós também cuidamos da capela mortuária”, inclui Angelo que, ao lado da esposa, dedica-se à cozinha do salão da comunidade em festividades.
Falando nas esposas, segundo eles, elas também se dão bem, desfrutando dos benefícios da amizade do grupo.
Para o pároco Olavo Bombardelli da igreja São Vicente Mártir é essencial contar com um grupo voluntário aos trabalhos da igreja. “É essencial porque assim a comunidade igreja vai se tornando viva, presencial e atuante. O engajamento faz com que as pessoas se sintam participantes, assumindo a missão de batizados e as famílias vão criando vínculos e passam a compreender que a comunidade igreja faz parte de suas vidas, assim como fez parte da vida dos antepassados”.
A cada domingo, as cordas são puxadas para os sinos badalarem anunciando a missa e a duração da sonoridade que, conforme os senhores, nunca recebeu reclamação da vizinhança, leva alguns poucos minutos, “dependendo da empolgação do trio”, brincam.
“Puxar a corda para fazer o sino tocar é uma tradição totalmente diferente do ato de apertar um botão e nós gostamos de tradição”, enfatiza Angelo.
“Ao fazerem este gesto, a tradição é mantida viva. É uma benção porque tem a intenção de chamar a atenção para os momentos da vida religiosa e para toda a unção que os sinos transmitem”, afirma o padre Olavo.
Entre risadas, piadas que fazem um com o outro, os amigos seguem influenciando suas novas gerações, assim como foram influenciados pelos seus antepassados. “Minha filha de 15 anos já pediu para vir tocar o sino e eu a trouxe”, conta Nelson, que ganha o reforço do relato de Hélio: “minha netinha de seis anos vem com a avó limpar a igreja e até o padre já a encontrou com a vassoura na mão”.
Três sinos, três cordas e três amigos de cada vez. Desta forma, a reverência ao que se faz vai sendo transmitida e com ela, valores incomensuráveis como a amizade.
REPORTAGEM: Claudia Iembo