A professora e o jardineiro: Uma história de amor que já dura 60 anos
Parece título de livro e poderia ser, afinal a história de Elizeu e Adelina Pasa, merece ser eternizada pela escrita – e será, agora que ganha a página do jornal
Cláudia Lembo
claudia@ofarroupilha.com.br
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Pouco tempo decorreu entre a troca de olhares dentro do ônibus que levava a professora ao trabalho em Caravaggio e o trabalhador da Linha 30, que naquela época morava na localidade onde ela lecionava, e o casamento dos dois. “Chamou minha atenção aquele moço de porte elegante, que andava e parecia marchar igual a um soldado. Perguntei à amiga que me acompanhava quem era ele”, conta dona Adelina, cujas palavras eram ouvidas atentamente pelo marido, senhor Elizeu. Ele, mais tímido, olhos espertos abaixo do chapéu na cabeça, apenas concorda, dizendo: “foi assim, dentro do ônibus que nos conhecemos”.
Pouco tempo depois, o casal Pasa celebrava o casamento em 14 de dezembro de 1963, em Nova Milano, onde a noiva residia. Começava a vida em comum para os jovens que contavam pouco mais de 20 anos. “Logo nos mudamos para a casa que temos hoje, no bairro São Roque e conseguimos tudo com muito trabalho, muitos bicos extras também. Fomos funcionários públicos toda a vida: ela foi professora por 35 anos e eu trabalhei na prefeitura por 40 anos”, relata o senhor.
A professora Adelina não deixou a sala de aula nem mesmo quando chegaram os filhos, que vieram em sequência logo após o casamento: Elisette, Valdocir e Oscar. “Muitas pessoas ajudaram a cuidar das crianças e eu tinha apoio do meu sogro que naquele tempo dizia, ´tu que tem emprego não pode deixar de trabalhar’, então nunca deixei de dar aulas por causa dos filhos”, diz com a entonação de voz que não esconde a vocação profissional mantida por anos.
Ao falar dos filhos, a morte do filho Oscar, há cerca de 20 anos, é citada como o desafio mais difícil vivido pelo casal na vida em comum. No relato da tragédia que tirou a vida do moço, a tristeza visitou o ambiente, mas foi o senhor Elizeu quem mudou o rumo da conversa.
A família cresceu com a chegada das netas Carolina, Camila e Aline e mais recentemente com os bisnetos Isabela e Arthur. “Muitos churrascos já aconteceram aqui em casa”, orgulha-se o patriarca. Na fala de cada um, a busca pela aprovação no olhar do outro. Mais falante, dona Adelina entrega que o marido é o mais nervoso no relacionamento, mas ela “já aprendeu a lidar com o jeito dele”. “Certa vez respondi mais grosseiramente, me arrependi, fui até ele, dei um abraço e pedi perdão”, relembra com um sorriso, olhando para ele.
Uma lembrança puxa a outra e – como não devem ter contabilizado muitas brigas significativas ao longo do casamento – reviveram uma ocasião engraçada. “Deixa que conto eu”, diz seu Elizeu: “Era um mês de agosto, estava frio. Tínhamos discutido e ela saiu para dar aula e me pediu para cozinhar o arroz para o almoço. Acontece que eu não me levantei da cama. Fiquei lá até que ela chegou e foi ver se eu estava doente”, ri. “Ele não levantou enquanto eu não pedi desculpas”, explica a esposa, se juntando à risada.
Claro que houve momentos difíceis, como em todo relacionamento, mas prevaleceu a vontade de seguir juntos, de superar. “É um amor de verdade!”, entrega a esposa, o que faz o marido enrubescer.
Deixando as ações falarem mais que as palavras, dona Adelina correu buscar uma pasta onde guarda os recortes de jornal nos quais aparece seu Elizeu no ofício do trabalho desempenhado na prefeitura. Mostra com orgulho. Tudo guardado com carinho de quem cuida, de quem admira. Os dois já passaram dos 80 anos e seguem na vida sendo a companhia um do outro. Seu Elizeu ainda exerce a função de jardineiro e forrou com almofadas o banco do carro antigo que usa para trabalhar e levar dona Adelina, quando ela vai com ele.
A professora plantou o saber, o jardineiro plantou flores. Semearam juntos, cada um ao seu modo, e juntos colhem de suas ações, de seu amor… como tem sido há 60 anos.
O casamento em 14 de dezembro de 1963, resultado da troca de olhares no ônibus. Fotos: Arquivo Pessoal