O melhor dos presentes
Um segundo. Este é o tempo necessário para que um acontecimento mude completamente os nossos dias. Milagres chegam para alguns como presentes de Deus, ou de acordo com a época do ano, presentes antecipados de Natal. A família Bassotto tem muito a celebrar neste ano que termina
“Du, segura!”, essa foi a última frase de Artêmio Bassoto ao filho Eduardo antes de despencar de um morro de 25 metros de altura, um aterro repleto de entulhos de construção como vigas de ferro e concreto, vidros, entre outros. Os dois haviam acabado de restaurar um carro antigo, um Ford Fairlane 1959, que logo seria levado pelo comprador, e estavam movendo o veículo, que perdeu o calço e rolou terra abaixo, atropelando o filho e jogando o pai à queda. Tudo muito rápido!
“O carro desviou do calço e foi ribanceira abaixo, de ré para o buraco. Caí tentando segurar e ele acabou passando por cima de mim, quebrando minha bacia em três lugares. Fiquei sentado e o vi caindo, quebrando árvores e muitas pedras rolando, mas não vi meu pai”, conta Eduardo, o arquiteto de 25 anos que herdou do pai a paixão pelos carros antigos.
Gritando de dor e desespero, não percebeu que a velocidade atingida pelo carro empurrou o genitor junto. Gritava por ele, sem saber onde estava. “Nem imaginava que ele tinha caído! Foi quando apareceu um colega de trabalho da nossa transportadora que fica no mesmo local e avistou o pai. ´Teu pai está lá embaixo’”.
Naquele momento de terror, Eduardo ainda conseguiu pegar o telefone e ligar para a mãe Janete.
Pai
“Foi tudo muito rápido! Despenquei, rolando e preocupado com o carro que podia cair sobre mim. Fui me quebrando e quando parei escutava as pedras rolando morro abaixo e depois disso o silêncio me fez pensar que havia morrido. Vi a vida passar em minha mente em segundos. Caído ali mesmo, vi o carro ao lado, consegui ligar para a esposa e o telefone deu ocupado porque ela estava falando com o Edu. Bem rápido chegou o socorrista”, conta Bassotto.
- “Como tu tá? Ele está vivo”!, constatou o bombeiro.
- “Minha missão está cumprida, pode ir salvar meu filho, que estou escutando ele gritar”.
- “Seu filho está bem. Nós vamos te tirar daqui”.
Foi diante desta resposta que o pai encontrou forças para a vida concedida novamente aos 67 anos de idade.
Ao telefone, caído ali mesmo, disse à esposa: “Estou todo quebrado!”, quando conseguiu a ligação. E estava mesmo: havia quebrado a segunda e a sétima vértebras, cinco costelas, uma grande ferida na cabeça e diversas escoriações pelo corpo, que rolou por 25 metros.
Quando o SAMU chegou, Eduardo, o filho, foi carregado para dentro da unidade, aos gritos pela bacia quebrada. O amigo que chegou por lá e presenciou a cena, não aguentou e encostou-se à árvore para chorar.
O resgate
O acidente aconteceu no quilômetro 116 da RS 453, atrás do Posto Sander, onde fica a transportadora da família Bassotto, local onde pai e filho exercitam a paixão de transformarem carros antigos em objetos de desejo.
A localização causou estranheza quando a ligação chegou ao Corpo de Bombeiros Militares de Farroupilha. O sargento Anderson de Lima Dutra, que atendeu ao chamado, mentalmente buscava o barranco e quando chegou lá, acompanhado dos soldados Vander e Marcelo, diante do que viu pediu reforços do soldado Tomé. “Vimos que a situação era complicada, então descemos com equipamentos e mochilas de primeiros socorros. O primeiro a chegar ao senhor foi o soldado Marcelo, enquanto o soldado Vander ficou no caminhão montando o sistema para fazer o içamento da vítima, que conversou o tempo todo conosco”, relembra o sargento.
Segundo ele, a subida com a maca de ribanceira foi facilitada pelos conhecimentos técnicos dos profissionais, que utilizaram sistema com cordas, cabos, roldanas e mosquetões. “Nestes 20 anos de profissão, já vi muitos acidentes, atendi muitas pessoas feridas, óbitos e afirmo que foi um verdadeiro milagre este senhor ter sobrevivido àquela queda! Foi uma ocorrência complexa e inusitada”, reconhece o sargento, que contou com a experiência para identificar as habilidades da equipe escalada para o resgate.
Quando chegaram ao topo do aterro com Bassotto na maca, o SAMU já os aguardava.
O bombeiro militar, filho de bombeiro também, perguntou como estavam pai e filho e ficou feliz em saber que a vida deu uma nova chance a eles. “É um jogo de xadrez porque precisamos movimentar as peças corretas, usando a melhor tática e abordagem para alcançar o objetivo, que é salvar a vítima”, explica, valendo-se da metáfora.
Janete, a esposa
“Eu recebi a ligação do Edu e não entendi muito o que estava acontecendo. Logo em seguida falei com o Bassotto e peguei uma carona, indo para o local. Quando cheguei, o Eduardo estava no chão e os bombeiros já estavam por lá. Até hoje escuto os gritos do meu filho quando o carregaram para a ambulância! Assim que vi meu marido coberto de sangue, pensei: ‘questão de minutos para ele morrer’”, conta a esposa, que se desdobraria em cuidados para o restabelecimento do marido e do filho acidentados.
Para ela que faria aniversário três dias após o acidente, a vida dos amados foi presente antecipado.
Depois do acidente
Manhã nublada daquele 10 de outubro, segundo as lembranças. Segunda-feira, perto das 11h, pai e filho chegaram ao hospital, onde iniciaria uma outra – e não menos sofrida – etapa do pior episódio vivido por eles.
Dores, incertezas, muitos exames, preocupação. Depois de uma noite interminável no hospital, foram para casa já no dia seguinte, onde ambos compartilharam a cama de casal para facilitar os cuidados recebidos de Janete. O filho Eduardo sem mexer-se da cintura para baixo e o pai Bassotto imobilizado pelo “algoz” colar cervical.
Seguiram-se dias de tormenta, de fortes dores, de muita medicação e confusão mental – inclusive com a correria por uma suspeita de AVC, que depois foi descartado, em Bassotto – … até a intervenção de um médico amigo, que possibilitou o início da franca recuperação do pai.
A fé – são devotos de Nossa Senhora do Caravaggio e há 10 anos participam das romarias de carros antigos no santuário – a vontade de superar as dificuldades e a ajuda de pessoas especiais como os primos Afonso e Anielen, as tias Leda e Denise e os amigos como Miguel Crippa (citando algumas) que fizeram parte deste período de recuperação trouxeram a família até aqui.
“Fui conseguir chorar depois de 15 dias de tanta coisa que vivemos”, diz Janete, que ainda se sente afetada pelas emoções vividas.
Nestes meses, Janete dividiu-se entre a casa, a assistência ao marido e filho e aos negócios na transportadora da família.
Eduardo experimentou uma rápida recuperação, favorecido pela pouca idade: no 11º dia após o acidente ensaiava os passos com a ajuda de um andador pela casa. Hoje, depois de ter vencido “uma dor terrível que irradiou da bacia para o pé”, já voltou a trabalhar e segue a vida grato e esperançoso pelo retorno à atividade junto aos carros antigos ao lado do pai, ainda que sob protestos da mãe.
“Tivemos uma segunda chance na vida e vamos aproveitar fazendo o que a gente gosta”, arremata o jovem.
Bassotto ainda usa um colar cervical com o qual vai à empresa com a esposa todos os dias e, diferente do filho que não consegue olhar para o local do acidente – fica olhando para o lugar onde renasceu. “A vida nos dá lições. Aprendi que temos que viver o agora porque amanhã não sabemos se estaremos vivos. Tive muito medo de morrer, medo que meu filho morresse, mas recebemos um milagre, o melhor dos presentes! ”, celebra o homem que encerra o ano conhecendo ainda mais o significado da palavra gratidão.
Em todos os tempos, a vida sempre será o melhor dos presentes recebidos.
Com esta história de pai e filho desejamos aos nossos leitores Feliz Natal!
REPORTAGEM: Claudia Iembo